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Riverside, Ahmedabad, Índia



A minha decisão em visitar a Riverside surgiu pela curiosidade em saber se tudo aquilo que eu havia visto em vídeosdocumentários e lido a respeito eram mesmo verdade.
O marketing feito por escolas privadas é muito forte, mas ao olharmos mais atentamente para algumas instituições, nem sempre a prática seguida é a mesma do discurso pregado.
Estabelecer uma escola transformadora de fato, exige muito planejamento e vontade.
Ao chegar na Riverside, fui recepcionada de braços abertos. A escola recebe inúmeros visitantes e isso faz com que todos ali estejam acostumados com pessoas do mundo, curiosos como eu e minha parceira de viagem, também professora e apaixonada por educação.

A primeira impressão foi a de não diferenciar funcionários, alunos, professores, coordenadores... todos ali pareciam saber tudo, absolutamente tudo, sobre as práticas, filosofia e espaços da escola. Aliás, quem nos concedeu a primeira visita foi uma aluna, escolhida ali na nossa frente, aleatoriamente.
Desde o motorista do ônibus que faz o transporte escolar (uma das exigências da escola: todos utilizam o ônibus escolar, até mesmo muito dos professores, e com isso, não existe filas na entrada e saída e muito menos "confusão" de carros) até a funcionária que fazia o nosso café da manhã e almoço. (Farei um post para falar especificamente sobre essa iniciativa de alimentação na escola, que é um grande projeto envolvendo a comunidade local). As regras estabelecidas para o ônibus, por exemplo, são definidas pelos motoristas e usuários. A gestão da escola não interfere nessas regras, afinal de contas, elas devem funcionar para aqueles que a utilizarão.
Essa é uma das grandes premissas da prática da Riverside e é isso que traz justamente esse sentimento de empoderamento de cada um ali dentro.

A segunda impressão foi o uso dos espaços dentro da escola. Ao andar pelo campus, observamos que cada cantinho tem uma função e é aproveitado e utilizado por todos, seja com alunos montando uma exposição com produtos que criaram, professores discutindo práticas e planejamentos, outros preparando um debate... A sala da administração fica aberta de frente a um grande pátio, ali há uma mesa com wi-fi e tomadas disponíveis, sofás onde alunos e professores se cumprimentam com um bom dia, troca de sorrisos e abraços marcam o início de um novo dia letivo. A sensação é de um local orgânico, com muita vida e movimento, que faz com que você se sinta parte daquilo. Outro ponto importante observado sobre o uso dos espaços é que não existe uma sala dos professores fixa como a maioria das escolas: são diversas salas espalhadas por todos os prédios, que podem ser utilizadas por todos a qualquer momento. A intenção da fundadora Kiran Bir Sethi foi a de quebrar com esse protocolo existente em escolas tradicionais, onde o professor "se tranca" em uma sala para reclamar de algo ou alguém, ficando distante dos alunos e dos demais funcionários da escola. O processo de educação é para ser vivido dentro da escola e não apenas dentro de uma sala. A atmosfera é de cooperação e pertencimento.
Painéis com mensagens de agradecimento compõem o ambiente: "obrigado por me ajudar com o conteúdo de matemática", "obrigado por manter os banheiros limpos" e "obrigado por preparar uma aula com o tema "x" que eu tinha interesse em saber mais", são alguns dos exemplos que me chamaram mais atenção. Mensagens nominais para que todos reconheçam algo que aquela pessoa tenha feito de bom.

Alunos do 3o ano do Fund. 1 tendo aula no pátio da escola com acesso limitado a água para entenderem a situação das crianças que sofreram com as enchentes naquela mesma semana. A professora adaptou o conteúdo para que não utilizassem as salas de aula. No final, os alunos resolveram levantar doações e ajudarem as vítimas da enchente.

Criação! Alunos projetando as suas criações onde exploram diferentes materiais. O espaço da oficina contém 2 impressoras 3D e muitas ferramentas e o mais legal de tudo é que fica aberto e disponível para os alunos. Eles mesmos são responsáveis por manter tudo organizado e nenhuma ferramenta faltando. 

Apresentação dos alunos do 5o ano do Fundamental I em Assembleia Geral. A turma estava com problemas de relacionamento, então foi proposto um Projeto que promovesse a integração e reflexão dos alunos sobre os disparadores de problemas. O resultado foi uma performance linda, 100% feita pelos alunos e muito emocionante. 

AS AULAS

O dia inicia com um grande encontro, onde professores e alunos discutem as metas para a semana. Essa prática não muito usual no universo da educação busca solucionar um problema frequente em escolas tradicionais, a falta de interesse pela escola e pela aprendizagem. Ali, as expectativas do que irão estudar ou de projetos que irão liderar ficam claras para todos.
As horas seguem com muita movimentação, as aulas acontecendo em diferentes momentos e espaços da escola. No começo fica até difícil entender e acompanhar tanta movimentação, mas após os primeiros dias, o resultado da concentração e interesse dos alunos fica evidente. Afinal, passar horas sentado em uma única sala de aula, olhando sempre para frente não é nada agradável, nem mesmo para os mais "quietinhos".
É comum encontrar professores observando as aulas de seus colegas. Essa é uma atividade muito valorizada pela equipe da Riverside. Se eu, como professora, estou com dificuldade em algum item específico dentro da minha rotina de sala de aula, eu vou buscar dentro da minha equipe, o profissional melhor capacitado para me auxiliar, aqui chamado de "expert". Por exemplo: Se estou com dificuldade ou insegurança em ensinar frações para a minha sala do 4o ano do Fundamental I, buscarei dentro da minha equipe o especialista de Matemática do Fundamental II e pedir que observe a minha aula. Esse profissional assistirá a minha aula apenas para atender as minhas necessidades, ele não está ali para julgar nada além do que lhe foi pedido. No final, agendam um horário para conversarem sobre o que foi observado e estabelecer um plano de ação. Uma ferramenta desenvolvida especificamente para esse fim auxilia em todo o processo.
A grade horária é flexível e adaptável. No final, o que importa é cumprir com as expectativas do programa para cada disciplina, mas a forma como isso acontecerá varia muito de turma para turma.  Por isso, nos deparamos com mudanças na rotina da aula em diversos momentos. Fui até uma sala para assistir a aula de Ciências, mas os alunos estavam coletando dados com os outros colegas da escola para deixar uma das salas disponíveis no prédio mais atraente e usual. O professor aproveitou o gancho para ensinar sobre coleta de dados e gráficos, uma das exigências do currículo.
Com uma participação tão ativa e "mão na massa" por parte dos alunos, fica difícil não se interessar pelo seu aprendizado. Mas o grande diferencial da Riverside não consiste apenas no empoderamento dos alunos e dos seus profissionais. É uma escola preocupada com a formação do caráter de cada um. Eles educam seres humanos. Conteúdo, podemos acessar com um click hoje em dia. Mas ali enxergamos a formação de cidadãos capazes de transformar o mundo!



                                                                                                     
A METODOLOGIA


Baseada no Design Thinking, a Riverside traz uma metodologia inovadora intitulada Design for Change que virou um movimento global. Seguindo uma cultura maker, o "Design for Change" segue 4 passos chamados de FEELIMAGINEDO e SHARE com pilares no protagonismo, empatia, criatividade e trabalho em equipe. 
É possível presenciar os 4 passos sendo aplicados a todo momento dentro da escola. 
Tivemos a sorte de poder participar da tradução e locução dos vídeos em Português durante a visita. Então ao invés de me estender falando sobre a metodologia, confira os vídeos que são bem auto explicativos e divertidos!

Vídeo FEEL
Vídeo IMAGINE
Vídeo DO
Vídeo SHARE

Ficou com vontade em conhecer de perto essa comunidade que vem transformando a educação no mundo? 
Eles montaram o Riverside Learning Center coordenado pela queridíssima Neena Mehta que irá orientá-los e recebê-los com o maior carinho, assim como fomos recebidas!

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